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Fogueira das vaidades: o que constitui uma boa atuação?

26/01/2011

As atuações selecionadas pela Academia para integrar a lista do Oscar 2011 são, em suma, amostras competentes das habilidades de seus intérpretes. Numa análise mais detalhada, no entanto, é possível dividir os finalistas em dois grupos distintos e bem delineados: o primeiro, apenas com as performances de essência pura e refinada, e o segundo, com trabalhos apresentáveis, mas baseados em vaidade.

É a sensação que provoca, por exemplo, Christian Bale, tido como favorito ao Oscar de Coadjuvante por “O Vencedor”. Ele é o tipo de ator que, mesmo em seus melhores momentos, sempre deixa a entender que se impressiona com a própria competência. Atuações imaculadas, como a de Phillip Seymour Hoffman em “Capote” e basicamente todo o currículo de Kate Winslet, sugerem o mesmo. É um modelo de histrionismo, um colorido dramático através do qual os atores saboreiam a sua capacidade. Coisa que não se nota em outras personificações eternizadas, como Marion Cotillard em “Piaf”, Imelda Staunton em “Vera Drake” e, nesse ano, Annette Bening em “Minhas Mães e Meu Pai”, Jesse Eisenberg em “A Rede Social”, Jacki Weaver em “Reino Animal” e John Hawkes em “Inverno da Alma”.

Dos indicados em cada categoria, esses quatro são os mais contidos em si mesmos. Por outro lado, no time de Bale – também composto por Natalie Portman, Nicole Kidman, Jeremy Renner e até mesmo Jeff Bridges -, quando o ator deixa evidente que está apreciando a sua desenvoltura, a performance fica comprometida. Independente do quão eficiente seja a composição, sua força é drenada e o público tem dificuldade em enxergar o personagem, ao invés do profissional exercitando as técnicas que aprendeu. Ironicamente, o efeito que isso provoca costuma ser o inverso: atuações mais escancaradas são, em geral, percebidas pelo grande público como sinônimo de excelência. Já a sutileza e a economia que amparam as interpretações ímpares são menosprezadas.

Qual a impressão dos leitores a respeito disso?

11 Comentários leave one →
  1. Tiago permalink
    26/01/2011 9:40 am

    Super concordo kkkk e pelo menos para o grande publico quanto mais gritaria e barraco existir em cena mais a plateia acha que o ator/atriz deveria sair merecedor, porém eu só tiraria Natalie Portman do time do Bale, porque por mais que seja verdade eu votaria pelo trabalho dela e queria ela levando o Oscar pela questão de ser claro, uma ótima atuação mas como também todo o preparo que ela teve para o papel e usar isso ao seu favor nas cenas do filme.

    Agora será que eu e muitas pessoas (se concordarem) com isso é porque realmente é fato ou porque todos estamos in love pela atriz e o lado “fã” fala mais alto? KKKKKKKKKK
    Isso eu não sei responder. seriously! KKKK

  2. Tiago permalink
    26/01/2011 2:50 pm

    Sobre o comentário anterior, espero que você não tenha chegado nesse ponto.

    Tirando isso, fale o que quiser de Bale ou Bridges, e acho que estamos de acordo apenas com Renner. Mas colocar Portman nesta lista é aderir ao zeitgeist de que é cool e inteligente depreciar o óbvio.

    • 26/01/2011 2:56 pm

      Tiago 1, brasileiro especialmente, acostumado a ver novela, só parece perceber a emoção se ela é escancarada diante dele. Sobre essas atuações específicas, Natalie é um caso à parte. O trabalho dela é realmente impressionante em Black Swan, e sua personalidade “likable” é a cereja do bolo 😉 Não confundir as duas coisas, nem deixar que elas se anulem.

      Tiago 2, se eu quisesse detonar o óbvio, seria um dos maiores defensores de A Rede Social? A se pensar… Não entrei sequer em detalhes a respeito da interpretação da Natalie, que a meu ver é inatacável. Mas em Cisne Negro, ela se encaixa, sim, no grupo dos exibicionistas – o que não é necessariamente depreciativo (fazer todas as caras e bocas que o roteiro a obriga fazer e jamais pender para a canastrice é um feito louvável). Dito isso, não acho que ela mereça ganhar esse ano e me irrita levemente que ela esteja aderindo a campanha para que isso aconteça, com alguns momentos constrangedores (como o discurso no Globo de Ouro e a tentativa de chamar atenção para a gravidez).

  3. 26/01/2011 2:58 pm

    Realmente são atores grandiosos, e o melhor: a cada filme, mudam completamente o semblante, os trejeitos e coisas semelhantes – algo muito dificil de encontrar hoje no cinema. Os excelentes Christian Bale e Melissa Leo faurarão sem problemas os prêmios. Bom texto. Abraço 🙂

  4. 26/01/2011 9:31 pm

    lá venho eu com meus comentários imbecis.
    lendo seu texto, eu comecei a pensar que talvez eu tivesse um pouco de dificuldade de ‘detectar’ o ator sendo apenas egocêntrico. mas aí eu lembrei do Al Pacino, e tudo de ruim que ele me fez numa época em que comecei a rever filmes com ele; de repente eu comecei a achar vários defeitos em atuação – mesmo sem saber nada sobre técnicas e etc, longe de mim ficar avaliando profissão que nem minha é.
    e também eu fiquei pensando se o hype meio que não atrapalha nossa visão. por ex., eu nem vi o filme do Bale, e eu confio em Bale, mas só por ter achado ele um completo babaca nos Golden Globes, já acho que ele é um ator babaca.
    ou a Portman, que sempre amei. de repente essa falação sobre ela, me faz achar que ela anda sendo muito incensada, e que ela nem é uma grande atriz assim – mas eu tb não vi o filme, portanto…

    enfim. eu entendo o que você quer dizer, mas eu não sei se consigo avaliar níveis de atuação sem ter que me preocupar com o entorno – e isso inclui até as colunas de fofoca.
    não tenho nenhum treinamento pra julgar, aí acabo ficando nas categorias ‘gostei’, ‘brilhante’, ‘babaca’…
    😉

    • 26/01/2011 11:05 pm

      Jeniss, não tenho a mesma certeza que você nos prêmios de Christian e Melissa. Ele, por não ser uma figura fácil de lidar, pode encontrar detratores em seu caminho, e Leo está seriamente ameaçada por Hailee Steinfeld!

      Quéroul, eu entendo o que você quis dizer. Essa questão de transferência de antipatia do ator para o personagem pode acontecer. Comigo, não acho que isso aconteça. Achava Andrew Garfield superestimado, não gostei dele em Never Let Me Go e critiquei sua escolha como o Homem Aranha, mas a minha percepção mudou totalmente após A Rede Social, por exemplo. Creio que o maior problema é aquele ator superexposto que, ao invés de encarnar o personagem, faz apenas variantes da própria persona. O maior exemplo que eu consigo pensar é Mary-Louise Parker. Veja ela em entrevistas e depois atuando, e diz se ela não interpreta apenas a si mesma? 😉

  5. 26/01/2011 11:08 pm

    Eu super concordo. Isso me lembra uma discussão que tive, na época do Oscar 2007. Por quê a atuação da Marion Cotillard era melhor que a da Julie Christie?? Só porque a Marion foi uma “tour de force”, se colocando totalmente dentro da pele de sua personagem?? Só porque a dificuldade do trabalho dela estava mais exposta?? A Julie teve uma personagem dificílima também. Externar a emoção de alguém sem lembranças. Externar a emoção de alguém que não consegue fazer uma história para si mesma. Alguém que precisa do outro para viver uma história. Alguém dependente de outra pessoa. O trabalho dela pode ter sido discreto, mas foi igualmente sensacional.

    • 27/01/2011 6:31 am

      Ka, acho que não é apenas a questão de ser sutil ou ser tour de force. A Cotillard, por exemplo, externaliza tudo que é tipo de emoção – porém nunca deixa a impressão de que está saboreando a própria competência. Ela coloca a personagem à frente de sua necessidade de se exibir. Coisa que muitos dos indicados ao Oscar desse ano não fazem!

  6. 22/02/2011 6:22 am

    Já havia lido o seu texto, mas não podia dizer muito porque não havia visto tais filmes. Mas assisti a O VENCEDOR recentemente e fiquei indignado com os trabalhos de Bale e Leo, que no filme (apoiados pelo roteiro e pela direção) abraçam os exageros mais que do que os personagens necessitam. Por outro lado, a atuação contida (mas que pode passar por inerte) de Wahlberg e a excepcional interpretação de Amy Adams ficaram preteridos. Até parece que Bale e Leo competem em cena como pessoas, além de seus personagens, com os outros do elenco. Duas atuações cheias de auto-indulgência e vaidade, como você apontou. Aliás, se no meu texto sobre o filme eu quiser linkar esse seu texto, você permite? Bela exposição. Abraço.

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